quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Ensino universitário

Em plena época de exames, parece-me assaz apropriado escrever qualquer coisa sobre o fétido sistema de ensino português, nomeadamente o universitário.
Eis os "Top 5" da lista de anomalias do dito sistema de ensino:

1- Avaliação contínua: Afinal de contas, para que é que isto serve, se no fim tudo se resume a uma frequência ou exame que, mediante duas ou três questões formuladas através de um método semelhante ao da lotaria, ditará o destino do aluno? Qual é o sentido de fazer um esforço tremendo para ir assistir diariamente a aulas muitas vezes monótonas e inúteis, quando no fim esse esforço é simplesmente menosprezado em favor de duas ou três respostas escritas numa folha de ponto? Aparentemente nenhum. Mas e daí, são poucas as coisas que fazem sentido neste país...

2- "Palha" a mais: Num mundo em constante mudança e ruptura com o passado, muitas universidades portuguesas insistem em formar os seus alunos com disciplinas fudamentalmente teóricas, filosóficas, ricas em cultura geral, mas absolutamente inúteis para a posteridade. Alguns dirão que os licenciados "sairão da faculdade com um nível cultural superior ao de muitos outros", mas a verdade é que não é a cultura que permite alcançar o salário mínimo - são as competências técnicas adquiridas através de experiências fundadas na prática. Ironicamente, os candidatos com maior probabilidade de obter emprego são aqueles dotados de uma média nem muito alta nem muito baixa (uma média média, por assim dizer), porque no fundo, as entidades empregadoras estão sobretudo interessadas em trabalhadores modestos e "moldáveis" e não em sabichões que não se contentam com um salário inferior a 5000 euros...

3- Flexibilidade e Inovação: Juntemos o tópico anterior à crescente necessidade de formar licenciados flexíveis e inovadores e vejamos o que acontece: uma salganhada autêntica! Como poderá alguém inovar quando passa a licenciatura "agarrado" a matérias do passado? E no entanto, o discurso repetitivo de muitos professores universitários é: "Inovem! Sejam originais e diferentes! Sejam flexíveis!". Mas há uma parte fundamental que é omitida neste discurso: "Como? Isso agora já não sei. Também estou-me nas tintas, já tenho a minha vida feita. Vocês que se amanhem!"

4- Extinção de cursos: Parece estar cada vez mais na moda a extinção de cursos com pouca ou nenhuma saída, em grande parte por motivos financeiros. Aparentemente, os responsáveis pelo financiamento universitário sentem que o dinheiro que empregam em tais cursos é dinheiro mal gasto, podendo quiçá servir propósitos muito melhores, tais como uma casa de férias nas Bahamas. E por conseguinte, nada melhor do que extinguir esses cursos que, a seu ver, para nada servem. Esquecem-se no entanto que há sempre pessoas interessadas em inscrever-se nesses cursos e que apenas não têm saída porque este país não a proporciona, levando-as a tentar a sua sorte no estrangeiro. Que país é aquele que não se compromete a ajudar os seus cidadãos a concretizar os seus sonhos, catalogando-os como dispensáveis ou inúteis para a sociedade? Se a solução mais fácil é extinguir os cursos em vez de promover condições para os futuros licenciados dos mesmos, então qualquer dia restarão apenas dois cursos em Portugal: "Arrumação de Veículos" e "Prostituição".

5- Propinas: Como é tradição deixar o melhor para o fim, aqui vai a bomba-H. Desde que me lembro, as propinas sempre foram alvo de crítica por parte dos estudantes - e com razão! Nestes últimos anos, o valor das propinas (tanto em faculdades privadas como públicas) tem aumentado gradualmente. Consta, no entanto, que o valor das propinas vai estagnar até 2009. Por um lado parece-me improvável, uma vez que muitas faculdades que ainda não adoptaram o valor máximo da propina poderão e irão certamente fazê-lo. Mas o que importa aqui é o suposto motivo para a "estagnação": atrair um maior número de jovens para o ensino universitário. Pode ser só impressão minha, mas não será por causa do valor elevado das propinas que não ingressam mais pessoas na universidade? E se se estagnar esse valor, os resultados não continuarão a ser os mesmos? A lógica não seria então diminuir em vez de estagnar? E depois, para que serve haver mais estudantes universitários, se no fim se queixam de haver cursos a mais e desemprego a mais?
E além disso, que terrível subversão é esta em que alguém tem de pagar pelo seu próprio esforço, não recebendo qualquer tipo de remuneração? Não costuma ser ao contrário? Se a remuneração fosse o conjunto de notas (favoráveis) atribuídas às frequências e exames que os alunos são obrigados a fazer, ainda faria algum sentido - pagam um serviço, em troca as suas necessidades são satisfeitas. Esta lógica aplica-se em todo o lado excepto nas universidades, em que os estudantes pagam (e bem!) um serviço e muitas vezes são pessimamente servidos, obrigados a repetir a dose e a pagá-la. Se estão a pagar pelo seu próprio mérito (visto que o esforço para nada conta) e no fim ainda terão de pagar o diploma, seria apenas justo que lhes fossem atribuídas as notas e os valores que desejassem!

Resumindo, a verdade é esta: o sistema de ensino português é um circo e os estudantes não são mais do que feras amestradas que fazem habilidades para o entretenimento de outrem. E se a caldeirada já é picante como é, imagino como será com molho à bolonhesa...

1 comentário:

Anónimo disse...

Concordo contigo em muitas coisas. O ensino universitário tem mesmo muitas anomalias, coisas que não tem razão de ser e que em não ajuda em nada a vida dos estudantes, que supostamente era o que devia acontecer.
Entre as anomalias que enumeraste, as que me fazem mais confusão são o valor elevado das propinas e a matéria teórica ensinada na faculdade.
Eu ainda sou do tempo em que num ano lectivo só se pagava 300 e tal euros de proprinas. Paguei isso no meu ano de caloira, em 2002. No ano a seguir, o governo resolveu fazer uma coisa absurda: aumentar em mais de 100% o valor das propinas. Ok, concordo que também se deve pagar algo, mas há que difenciar as coisas. A minha faculdade optou por cobrar a proprina máxima, 900 euros, quando lá os cursos são essencialmente teóricos. Será que nós damos mais despesa à faculdade/governo que um estudante de medicina, enfermagem ou engenharia?? Enquanto que um aluno de medicina ou de engenharia precisa de materiais, equipamentos para tirar o seu curso, nós só precisamos de livros e canetas (que somo nós que pagamos)e gastamos à faculdade papel higiénico e o uso dos elevadores...quando não gastamos não vamos pelas escadas e gastamos solas dos sapatos que compramos com o nosso dinheiro.
Quando ao ensino demasiado teórico ou demasiado filosófico, acho que deviam repensar certos cursos, virá-los mais para a verdadeira realidade do mundo do trabalho e não tentar ensinar-nos tantas teorias, das quais muito menos de metade ficam na nossa memória. A parte boa desse conhecimento apreendido é mesmo a tal cultura geral com que ficamos e que um dia nos poderá servir de muito se formos a um programa do género "Um Contra Todos", onde podemos ser muito felizes ao ganhar dinheiro.